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Notícias

 

O levantamento censitário, que deveria ter acontecido em 2020, foi adiado duas vezes por falta de verba do governo federal.

Depois da censura nas questões do ENEM 2021, uma nova denúncia aponta que o governo federal excluiu do Censo 2022 questões referentes a orientação sexual e identidade de gênero que servem para identificar a população LGBT.A investigação foi aberta pela aberta pela Procuradoria da República em Rio Branco, mas se estende ao Censo como um todo.

Lei mais em:

https://revistaforum.com.br/noticias/censo-excluiu-lgbt/

 

 

Covid e aids: 6 semelhanças entre como a humanidade lidou com as duas pandemias

André Biernath - @andre_biernath

Da BBC News Brasil em São Paulo

3 outubro 2021

 

Especialistas avaliam que estratégias preventivas que dependem unicamente do comportamento das pessoas, como camisinhas e máscaras, precisam ser acompanhadas de outras recomendações

Aids e covid-19 têm formas de transmissão, sintomas e tratamentos completamente diferentes. Mesmo assim, as doenças que marcaram o fim do século 20 e o início do 21, respectivamente, trazem semelhanças importantes, especialmente na forma como a sociedade e a ciência reagiram a elas.

E esses processos tiveram os mais variados desdobramentos. Por um lado, as duas pandemias demandaram a criação de soluções rápidas, que resultaram em testes, remédios e vacinas modernos e disruptivos, que beneficiaram não apenas as duas condições, mas a medicina como um todo. Por outro, o surgimento de problemas novos reforçou (e até criou) preconceitos, estigmas e desigualdades que resistem até hoje.

Os dois momentos históricos também trazem aprendizados importantes sobre a prevenção, quais estratégias funcionam mais ou menos e o papel da comunicação neste contexto.

Essa é a análise feita por especialistas em saúde ouvidos pela BBC News Brasil. Eles avaliam que as duas crises sanitárias apresentam muitos paralelos e entendê-los pode nos ajudar a lidar com as futuras pandemias que virão pela frente.

1. Estresse, medo e incertezas

Nos últimos dias de dezembro de 2019, veículos e agências de notícias publicaram as primeiras informações sobre os casos de uma "pneumonia misteriosa" que começou a acometer algumas pessoas em Wuhan, na China.

No início de janeiro, veio a confirmação de que o quadro estava relacionado a um novo tipo de coronavírus, que seria nomeado posteriormente de Sars-CoV-2.

Um processo parecido aconteceu com o HIV, o vírus da imunodeficiência humana. Apesar de existirem evidências de que ele já circulava desde a década de 1930, o problema começou a chamar a atenção entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980.

Nessa época, os especialistas perceberam o aumento na frequência de sintomas do que viria a ser conhecida como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou aids. No período, o quadro foi observado com mais intensidade em homens que fazem sexo com homens de algumas regiões dos Estados Unidos.

Para o médico Ricardo Sobhie Diaz, professor de infectologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as duas situações são marcadas pelo aumento do estresse generalizado diante das incertezas.

"Quando começamos a ouvir sobre HIV e aids, havia muito medo, pois não se sabia o que poderia acontecer com as pessoas e qual seria o tamanho da catástrofe que iríamos enfrentar", lembra.

"E nós vemos a mesma coisa agora com a covid-19. Todos nos sentimos um tanto incapazes de entender realmente o que acontece, especialmente nos primeiros meses da pandemia", completa.

2. Estigmas e preconceitos

Uma das consequências desse medo generalizado diante do desconhecido é o surgimento de teorias da conspiração e movimentos que tentam encontrar algo (ou alguém) para jogar a culpa.

"No início, a aids era descrita pejorativamente como a doença dos cinco H's, pois acreditava-se que ela só afetaria homossexuais, prostitutas (hookers, em inglês), haitianos, hemofílicos e usuários de heroína", diz a infectologista Karen Morejon, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), no interior paulista.

E esses estigmas e preconceitos eram reforçados pela própria imprensa. Na edição de 12 de junho de 1983 do jornal Notícias Populares, por exemplo, é possível ler uma manchete preconceituosa sobre a aids. Em letras garrafais, a capa anunciava: "A peste gay já apavora São Paulo".

Com a covid-19, houve um cuidado extra das autoridades, especialmente da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que Wuhan, ou a China como um todo, não ficassem estigmatizados, ou virassem referência como o nome da doença ou do vírus.

E há exemplos claros de como evitar essa vinculação geográfica de uma nova enfermidade é importante. Talvez o maior deles seja a gripe espanhola, que matou milhões de pessoas entre 1918 e 1920.

Apesar da alcunha, a doença provavelmente surgiu em acampamentos militares dos Estados Unidos. Mas, como ocorria a Primeira Guerra Mundial e a maioria dos países envolvidos controlava a imprensa, quem noticiou sobre a chegada de uma infecção desconhecida foram os veículos jornalísticos da Espanha, que mantinha uma posição de neutralidade naquele momento.

Passado mais de um século, o termo "gripe espanhola" continua a ser usado, apesar da imprecisão histórica.

Mesmo com as precauções em relação à pandemia atual, ainda existem muitas teorias da conspiração infundadas que acusam a China de ter criado o coronavírus e é comum ler o termo "peste chinesa" em muitos desses conteúdos falsos.

3. Riscos e vulnerabilidades

Um erro que ocorreu nas duas pandemias, de acordo com os especialistas, foi o foco excessivo nos chamados "grupos de risco"

Como mencionado anteriormente, existia uma ideia enviesada nos anos 1980 de que só homossexuais, usuários de drogas injetáveis ou pacientes que precisam de transfusão sanguínea se infectavam com o HIV.

Já na covid-19, circulou muito a ideia errada de que a doença só matava idosos e indivíduos com comorbidades, como os portadores doenças cardiovasculares ou pulmonares.

"E, em ambos os casos existe uma diferença enorme entre grupos de risco e indivíduos com maior vulnerabilidade", diferencia Diaz.

Ou seja: estatisticamente e na comparação com as outras faixas etárias, pessoas acima de 60 anos são mais suscetíveis à infecção pelo coronavírus e desenvolvem com maior frequência as formas graves da enfermidade, que exigem internação e intubação. Mas isso não significa que os mais jovens estão absolutamente livres da covid-19 ou de suas repercussões no organismo.

O mesmo se repete quando pensamos nos primeiros anos da aids: a noção distorcida de que homossexuais seriam os únicos afetados fez com que indivíduos com outras orientações sexuais relaxassem e pensassem que não corriam perigo, quando se sabe que a realidade é muito mais complexa.

4. Desigualdade escancarada

A bióloga americana Claudia Velasquez, diretora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no Brasil, chama a atenção para outro ponto em comum entre as duas pandemias.

"As desigualdades têm um papel extremamente relevante [nos dois momentos históricos] e, por isso mesmo, é preciso atuar de forma conjunta e simultânea", analisa.

"A resposta ao HIV evidencia a lacuna entre ricos e pobres. Onde um bom progresso foi feito, as pessoas que vivem com HIV têm uma vida longa e saudável. Já onde as desigualdades são grandes, foi alcançado um progresso limitado", compara.

Na covid-19, a diferença de acesso a insumos, testes, remédios e vacinas também é enorme de acordo com cada país.

Essa disparidade fica escancarada no número de imunizantes contra o coronavírus aplicados até o final de setembro: de acordo com informações disponibilizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), 61,4% dos cidadãos de países ricos haviam recebido ao menos a primeira dose. Nos lugares mais pobres do planeta, apenas 3,5% das pessoas foram contempladas nas campanhas de vacinação.

Os mesmos números podem ser lidos de outra maneira: enquanto 1 em cada 2 indivíduos das nações ricas estão mais protegidos contra a covid-19, somente 1 em cada 28 que moram nos locais mais pobres tiveram essa mesma oportunidade.

5. Avanços nos métodos de prevenção

Esse talvez seja o ponto onde as semelhanças mais impressionam. Tanto a aids quanto a covid-19 seguiram uma sequência similar de orientações preventivas.

Nos primeiros meses, quando as informações sobre as doenças eram escassas, restava apelar às medidas proibitivas: para evitar o HIV, não faça sexo; para fugir do coronavírus, não saia de casa.

Com o passar do tempo, surgiram métodos um pouco mais rebuscados, que servem de barreira contra a entrada dos vírus. Falamos aqui das camisinhas e das máscaras.

Na sequência, vêm as intervenções biomédicas. No HIV, foram aprovados remédios para a PrEP (profilaxia pré-exposição) e para a PEP (profilaxia pós-exposição). Quando bem indicadas, essas estratégias ajudam a evitar a infecção pelo vírus.

Já na covid-19, as vacinas testadas e aprovadas em tempo recorde permitiram controlar o número de casos mais graves, internações e mortes.

Durante os dois processos de evolução, os especialistas aprenderam que não costuma dar muito certo depender unicamente dos métodos baseados no comportamento das pessoas, como a abstinência sexual, o isolamento social, a camisinha ou a máscara.

Pela experiência com as pandemias recentes, é justamente a combinação e a adaptação de diferentes estratégias que permite obter um bom resultado.

"É fácil dizer para as pessoas usarem camisinha ou máscara, como se todo mundo fosse respeitar essa recomendação 100% das vezes", comenta o infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador do Hospital das Clínicas de São Paulo.

"Conforme aparecem as intervenções biomédicas, como os remédios ou as vacinas, é que começamos a ver uma queda da incidência tanto das infecções por HIV ou pelo coronavírus", observa.

O cientista social Alexandre Grangeiro, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, concorda: "Recomendações muito normativas, que dizem aquilo que as pessoas precisam fazer e não consideram a autonomia de cada um, não funcionam", entende.

"Ou a gente adequa os métodos de prevenção ao cotidiano ou eles vão falhar", completa o especialista, que foi diretor do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde entre 2003 e 2004.

Já Diaz destaca o papel da comunicação nesse contexto e usa as orientações sobre o uso da camisinha como exemplo.

"Nós erramos feio ao dizer que fazer sexo com camisinha é igual em termos de prazer. Isso é mentira. A mensagem correta é que existe, sim, um prejuízo na sensibilidade, mas um ganho no aspecto preventivo", analisa.

"Nossa comunicação foi sempre no sentido de que, ao se prevenir, você estará fazendo um bem para todo mundo, para a coletividade. E me parece que essa mensagem de fazer as coisas pelos outros nunca funcionou direito", acrescenta.

6. Conquistas contra outras doenças

Vale observar aqui que o trabalho dos cientistas para trazer soluções às pandemias de aids e covid-19 também permitiu pensar em saídas para outros problemas de saúde.

"O esforço científico para entender a aids na década de 1980 propiciou o desenvolvimento de remédios que impedem a replicação de vírus. Muitos deles compõem o coquetel antirretroviral", exemplifica Diaz.

"E esses tratamentos beneficiaram não apenas os portadores de HIV, mas também serviram de base para a criação de terapias contra a hepatite C, o vírus sincicial respiratório e talvez até o coronavírus", conta o infectologista.

Já no contexto atual, algumas das vacinas contra a covid-19 usam tecnologias absolutamente novas. É o caso dos produtos que se baseiam no vetor viral não replicante, como aqueles desenvolvidos por AstraZeneca/Universidade de Oxford e Janssen, ou os imunizantes de mRNA, criados por Pfizer/BioNTech e Moderna.

Essas mesmas plataformas já são testadas para obter imunizantes contra outras doenças infecciosas e podem até servir como solução para diversos problemas de saúde, como o câncer.

"A pandemia de covid-19 mostrou que a ciência pode avançar rapidamente, quando existe a vontade política e o envolvimento de todas as pessoas", resume Velasquez, da Unaids Brasil.

Morejon pondera que os avanços e as conquistas contra as infecções não foram frutos de uma iniciativa isolada de um especialista ou um grupo de pesquisadores, mas de um apoio constante à ciência.

"Só tivemos uma vacina contra a covid-19 em menos de um ano porque já existia toda uma pesquisa anterior, que buscava soluções para outros tipos coronavírus que surgiram em 2003 e 2011", aponta a médica.

"E, mesmo na aids, que começou a chamar a atenção nos anos 1980, tínhamos investigações e amostras de pacientes guardadas em laboratórios desde os anos 1970", lembra.

"Quando há investimento, a ciência prepara o terreno e nos permite lidar com as crises de forma muito mais fácil", completa.

Fonte: BBC News Brasil

Link: encurtador.com.br/dNVW5

 

 

 

 

O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz, ao qual o projeto ImPrEP está vinculado,  comemora 103 anos de atividades com um simpósio on-line que será realizado de 9 a 11 de novembro de 2021. A solenidade de abertura será conduzida por Valdiléa Veloso, diretora do INI, e contará com a participação da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.

A programação terá três conferências com os temas: Experiências de Saúde Digital na Pandemia de Covid-19 (Manoel Barral Neto – Fiocruz Bahia)Desafios para a implementação da Saúde Única (Marcia Chame – Centro de Informação em Saúde Silvestre e da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre – Pibss/Fiocruz) e Trombose trombocitopênica induzida por vacinas para a Covid-19 (Daniela Palheiro Mendes de Almeida – INI/Fiocruz).

O evento também contará com duas mesas redondas dedicadas à apresentação de trabalhos inovadores desenvolvidos no INI e estudos implementados na área de assistência à saúde, moderadas respectivamente por Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS/Fiocruz) e por Estevão Portela Nunes, vice-diretor de Serviços Clínicos (INI/Fiocruz).

Acompanhe as transmissões, das 09h às 12h, no site do INI (www.ini.fiocruz.br) ou no canal do Instituto no YouTube, em https://www.youtube.com/INIFiocruzoficial. 

A programação detalhada do simpósio de 103 anos do INI será divulgada em breve.

Fonte: https://www.ini.fiocruz.br/instituto-nacional-de-infectologia-evandro-chagas-comemora-103-anos-com-simp%C3%B3sio-online

 

 

 

 

Foto: Reprodução

Um estudo para vacina contra o HIV é o mais promissor em 40 anos e pode mudar o futuro

E principalmente o futuro de populações mais vulneráveis ao vírus, como as LGBTQIAP+. Aqui, a jornalista Gui Takahashi, candidata aos ensaios clínicos – que acontecem em São Paulo e em outras cidades do mundo – narra sua experiência com o teste, fala de suas expectativas e de ter crescido e se entendido mulher em um Brasil muito recente, no qual a aids foi apelidada de “peste gay” e fez das pessoas trans e travestis alvos de discriminação e violência

GUI TAKAHASHIEM COLABORAÇÃO PARA MARIE CLAIRE 29 SET 2021 - 06H01 ATUALIZADO EM 29 SET 2021 - 06H01

Permaneci imóvel na sala de casa. Sentada no sofá e com os pés fincados no tapete, mas querendo fugir correndo. Minha mãe ainda chorava enquanto eu tentava recuperar a respiração. Eu podia sentir meus batimentos, a boca seca, o fôlego curto e um embrulho no estômago. Ela tinha encontrado meu diário e, assim, descoberto que eu era LGBTQIAP+. Meu maior segredo havia sido revelado e eu não me sentia aliviada. Longe disso.  A sensação era de culpa por ter aberto a caixa de Pandora que continha meus piores demônios. Me senti vulnerável de um jeito inédito. Também me senti pouco acolhida, julgada e ali, no olhar dos meus pais, meu pesadelo ficou real. Pude ver, como um traço na areia, a limitação do amor deles e, assim, quase tocar a rejeição. Eu tinha 19 anos e acabado de entrar na faculdade. O mundo era diferente e as discussões de gênero não eram tão abertas e efervescentes como agora.

Naquele “quase ontem”, que também chamo aqui de 2006, a aids era uma ameaça e um estigma para a comunidade queer. Uma vacina que combatesse o vírus não passava de um sonho distante. Quinze anos depois, trago promissoras notícias: está em curso um novo estudo de imunizantes contra o HIV, aliás, a maior aposta da ciência em 40 anos.  A travesti que vos escreve está entre os voluntáries dos testes clínicos. Mas, antes que eu relate minha experiência com o Mosaico – esse é o nome do estudo que promete mudar o futuro da aids –, permita que eu conte minha história e do mundo em que cresci. Tudo isso importa tanto quanto a vacina, confie.

Millennial, sou do final dos anos 1980, de um Brasil pós-ditadura que celebrava uma nova Constituição Federal. Tinha um clima de liberalismo no ar que se misturava às aberturas de mulheres seminuas no Fantástico, à asa-delta cavada da Xuxa, às capas da Manchete que poderiam ser pôster de oficina mecânica. Parecia que, depois de tanta repressão, estávamos prontas pra viver nossos corpos e nossa sexualidade. Só parecia. O conservadorismo ainda era grande e pessoas LGBTQIAP+ viviam numa margem mais abissal que a atual. Não à toa, fui uma criança viada enrustida. As sexualidades divergentes da heterossexualidade compulsória sofriam com a pecha da aids. Naquela primeira conversa fora do armário com meus pais, uma das reações deles foi expressar o medo de que eu me tornasse vítima de crimes homofóbicos ou fosse infectada pelo HIV.

Apelidada de “peste gay”, a aids era noticiada como sentença de morte nos anos após o seu descobrimento. O primeiro indício da doença surgiu nos Estados Unidos, num artigo de 5 de junho de 1981 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de lá. Rapidamente, relatos ao redor do mundo apontavam a existência de um novo vírus que faria mais de 36 milhões de vítimas e infectaria mais de 79 milhões até o final de 2020.

O termo aids (síndrome da imunodeficiência adquirida) surgiu em 1982 e acabou sendo associado à população LGBTQIAP+ pelo crescimento rápido de infecções entre gays estadunidenses.  A Unaids, organização ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) que combate o HIV e a aids no mundo, ainda aponta que a população de maior risco é a de pessoas trans, homens gays ou bi, profissionais do sexo, encarcerados e usuários de drogas injetáveis.

“Questões sociais, como a homofobia, barreiras de acesso à saúde, questões programáticas sobre o que gestores de saúde fizeram para conter os casos nesse grupo, que é marginalizado e sem representação no poder público, contribuíram para isso”, diz Rico Vasconcellos, infectologista e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Para Bruna Benevides, secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), é importante que a consideração da população trans vá além das pesquisas científicas e, sim, que sejam pensadas políticas públicas que possibilitem o enfrentamento das vulnerabilidades que nos colocam em maior risco. “Talvez sejamos o grupo que mais sofre por todo o abandono de nossas demandas. Sobretudo quando observamos que mulheres trans e travestis são ainda mais vulneráveis, e não apenas ao HIV. Somos a parcela da sociedade que tem menor escolaridade e acesso à saúde, menores taxas de emprego e menos acesso à PrEP [Profilaxia Pré-Exposição, uma combinação de dois medicamentos em um único comprimido, que impede que o HIV se estabeleça e se espalhe pelo corpo]. Também somos maioria no trabalho sexual e/ou vivendo na precarização, e que sofre com os maiores índices de violência.”

Bruna continua: “Cabe resgatar que, de acordo com a pesquisa Divas [Diversidade e Valorização da Saúde ou, em seu nome oficial, Estudo de Abrangência Nacional de Comportamentos, Atitudes, Práticas e Prevalência de HIV, Sífilis e Hepatites B e C entre Travestis e Mulheres Trans, realizado pela Fiocruz com o Ministério da Saúde] de 2018, a prevalência média do HIV em mulheres trans/travestis foi de cerca de 40%. Exatamente por termos sido deixadas de lado na perspectiva de cuidados e demandas sociais”.

A definição de risco

Foi já em 1982 que se teve o primeiro registro de HIV no Brasil. A aids marcou profundamente gerações de pessoas LGBTQIAP+,  não só pelas vítimas diretas,  mas também porque perpetuou infâmias, espalhou o medo, reforçou discursos de ódio. Uma dessas heranças era a proibição expressa, desde 2012, pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde de que homossexuais, travestis e pessoas trans doassem sangue se tivessem transado com homens nos últimos 12 meses – impedimento que foi derrubado só no ano passado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

“Hoje, a definição de risco está muito mais ligada ao comportamento de cada pessoa do que propriamente relacionada às populações-chave. Então, desvincular a proibição desses grupos específicos é importante para minimizar o preconceito. As pessoas têm riscos e vulnerabilidades individuais”, analisa Álvaro Costa, infectologista do Centro de Referência e da Unidade de Pesquisa Santa Cruz, em São Paulo.

Também houve avanços por meio da luta de movimentos sociais no Brasil, a distribuição gratuita de medicamentos para pessoas com HIV ou aids passou a existir em 1996, com a lei federal 9.313. “Somos um país que atuou no sentido de oferecer o tratamento antirretroviral para pessoas com HIV com a ajuda da sociedade civil, bastante articulada desde o começo. O Sistema Único de Saúde é uma conquista. Com todos os avanços globais nas terapias antirretrovirais, o Brasil incorporou esses manuais técnicos. Ou seja, as pessoas com HIV aqui tomam medicações modernas. Isso é importante para dar qualidade de vida com tratamento eficaz, com a redução de efeitos adversos. Mas os desafios ainda são enormes. Temos uma média de 40 mil novas pessoas infectadas por ano. Ainda se peca nas estratégias de prevenção e expansão das novas ferramentas de prevenção, especialmente a PrEP”, continua Álvaro.Esses progressos dos antirretrovirais, além do surgimento da PrEP e da PEP (Profilaxia Pós­Exposição) já refletem melhoras em dados mundiais. Estatísticas da Unaids apontam que, no final de 2020, a mortalidade por doenças relacionadas à aids caiu 47% quando comparada com os números de 2010 (de 1,3 milhão para 680 mil). E, desde então, as novas infecções diminuíram cerca de 30%, indo de 2,1 milhões para 1,5 milhão até o ano passado.

Tenho na memória lembranças turvas do que a comunidade LGBTQIAP+ passou nas décadas de 1980 e 1990. Por isso, vejo na série Pose (Netflix), uma das minhas favoritas, um valor muito grande. Não só por trazer à tona mulheres trans na temática, na produção e no elenco, ou por suas indicações ao Emmy e ao Globo de Ouro. Pose, ao contar a história dos ballrooms nova-iorquinos daquele tempo, retratando a vida de cinco travestis, é um registro na cultura pop do nosso lastro, das gerações que vieram antes de mim e lutaram para que hoje fosse menos dolorido que ontem. A série também consegue manter a memória de tudo que o HIV já nos ceifou.

Uma autoestima travesti não é dada. O mundo em volta deixa claro, desde cedo, que a sua existência não é bem-vinda. A rejeição é uma dor crônica e que passa por capítulos de expulsão de banheiros públicos, cerceamento familiar e social, exclusão no mercado de trabalho e até abusos em relacionamentos. Tentei driblar a rejeição de formas bem precárias e pouco articuladas. Já me fiz caber em relações tóxicas, que frequentemente só envolviam sexo e doses de desprezo por parte dos meus parceiros. Caras enrustidos, casados, que mentiam seus nomes, caras que me abandonaram no meio do encontro, que me deixaram esperando por horas e nunca apareceram. Conheci todos esses. E a minha frágil autoestima repetia que era isso mesmo que eu merecia. Sempre em busca de validação, desesperada por um olhar interessado que pudesse me ler.

Nessas desventuras, peguei HPV, tive que passar por um procedimento hospitalar e, por pouco, escapei de duas sífilis. Esses episódios me fizeram perceber de um jeito quase catártico minha vulnerabilidade e a importância de me cuidar. Então, foi só com a ajuda da terapia, de amigas, com um resgate da relação familiar, muito custo e dor é que forjei a minha autoestima como é hoje.

Mosaico destrinchado

Quarenta anos se passaram desde o início da epidemia de HIV e ainda não encontramos a imunização definitiva. Por quê? Segundo Rico, inúmeras foram as tentativas de criar uma vacina. O desafio está na taxa de mutação do HIV, que é bastante alta, além de ser um vírus que atinge o sistema imunológico. “No caso do coronavírus, demorou um ano pra começarem a aparecer as variantes de preocupação, alfa, delta, beta, gama. Pro HIV,  você tem muitas variantes produzida em cada pessoa por dia. Então, quando o corpo começa a organizar uma resposta imune eficaz, ele já mudou e a imunidade não funciona mais para aquela variação”, explica.

"Talvez sejamos o grupo que mais sofre por todo o abandono de nossas demandas. Sobretudo quando observamos que mulheres trans e travestis são ainda mais vulneráveis, e não apenas ao HIV" Bruna Benevides

Bem por isso o Mosaico é tão promissor. Em um momento em que a comunidade científica ficou mais interessada pelo desenvolvimento dessa forma de imunização por causa da covid-19, a Janssen Vaccines and Prevention B.V. com a HIV Vaccine Trials Network (HVTN) e o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids estão fazendo essa pesquisa para avaliar a eficácia de uma combinação de vacinas. Cerca de 3.800 homens cis e pessoas trans que têm relação sexual com homens cisgênero e/ou pessoas transgênero participarão em cidades de Brasil,  Argentina, Itália, México, Peru, Polônia, Espanha e Estados Unidos. Por aqui, a expectativa é de que sejam mais de 850 voluntários nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.

O Mosaico tem se demonstrado uma grande aposta, de acordo com Rico Vasconcellos, porque usa uma tecnologia de adenovírus como vetor.  A taxa de imunização em macacos chegou a 67%, uma das maiores já registradas. “Isso é inédito, mas a gente precisa lembrar que isso é em macacos. Em seres humanos, precisamos testar a vacina.” Até então, a pesquisa de maior eficácia foi uma realizada na Tailândia chamada de RV144 e que teve redução de incidência do HIV de aproximadamente 30% em humanos. Por ter sido considerada uma taxa baixa, não foi pra frente.

A duração dos testes vai ser de aproximadamente 30 meses e busca responder algumas perguntas. Entre elas, se as vacinas são seguras, se as pessoas podem recebê-las sem ficar desconfortáveis, como o sistema de defesa vai responder, se elas evitam que voluntárias sejam infectadas pelo HIV, sua taxa de eficácia. Vale lembrar que, mesmo que a gente possa ter uma vacina para nos proteger do HIV, ela não será a resposta definitiva. “Caso se obtenha sucesso em seus resultados, a vacina será uma estratégia de prevenção adicional”, diz Rico. Em outras palavras, ela não vai dispensar o uso de camisinha ou até mesmo da PrEP.

Assim que fiquei sabendo do estudo Mosaico pelo perfil de Instagram da Casa da Pesquisa (@pesquisacrt), me interessei porque, como não aderi à PrEP, que é um medicamento de uso contínuo e diário, a perspectiva de uma vacina poderia me ajudar a me proteger. E, por mais que na grande maioria das minhas transas eu use preservativo, já passei por momentos de empolgação em que a camisinha ficou de lado. Depois, sobraram só a noia e o arrependimento.

Como travesti, ter parceiros fixos e confiáveis é um baita desafio. Normalmente, sou fetiche para caras que não lidam bem com sua própria sexualidade, que não querem abdicar dos privilégios que o machismo garante à masculinidade e, assim, ficam nessa de se aventurar, pegar sem criar vínculos, às escondidas e, muitas vezes, em traição. É doloroso e solitário estar nessas dinâmicas. Todos os riscos de morte que eu e outras manas corremos são altos no país que mais nos mata no mundo. Segundo a Antra, só ano passado fomos 175 assassinadas. Ano que vem, completo 35 anos e vou superar a expectativa de vida que me é prevista no Brasil. Se não somos mortas brutalmente pela transfobia, somos levadas ao suicídio por ela, arrastadas a situações de prostituição que nos deixam vulneráveis ao HIV ou, ainda, expostas em relações que de amorosas não têm nada.

"Apelidada de ‘peste gay’, a aids era noticiada como sentença de morte nos anos após o seu descobrimento. Vejo na vacina a oportunidade de cura de estigmas que nos foram colocados como comunidade trans" Gui Takahashi

Por tudo isso, decidi entrar para o estudo e contribuir com a ciência, já que pode ser uma forma futura de me proteger e proteger outras como eu. Além disso, vejo na prevenção vacinal a oportunidade de cura de estigmas que nos foram colocados como comunidade trans, como também diz Bruna Benevides. “Isso poderá trazer ainda impactos na saúde mental, no autocuidado, no resgate da autoestima, na saúde física, sexual e reprodutiva de pessoas trans. Nas relações sociais e na possibilidade de construção de uma nova narrativa sobre relacionamentos com e entre pessoas trans. E ainda no enfrentamento da falácia da culpa que é ligada à nossa luta pela liberdade sexual e de nossos corpos.”

Uma vez que me inscrevi para o estudo, passei por uma triagem. Foi longa, envolveu entrevista, exames médicos, aconselhamento sexual e a assinatura do termo de consentimento. Durante esse processo, detalhes interessantes foram esclarecidos. Por ser um ensaio, metade das pessoas receberá as vacinas em teste, enquanto a outra metade, apenas placebo. Isso quer dizer que não posso continuar vacilando sem a camisinha, já que a vacina não está dada. Outro fato explicado é que é impossível que as vacinas transmitam o HIV porque não são feitas com o vírus real. Sua produção vem de uma proteína artificial que imita uma que compõe a parte externa do vírus. No entanto, é possível que aconteça uma reação vacinal em que testes de HIV apontariam falsamente como positivos em virtude de haver uma resposta imune do corpo, chamada VISP. Assim, a recomendação é que os participantes se testem apenas nos locais em que estão sendo atendidos na pesquisa porque eles têm instrumentos para detectar se a infecção é real ou apenas reação à vacina. Por causa disso, a médica que conversou comigo disse que minha participação era importante e representativa. Fiquei alguns segundos sem entender até ela me explicar que muitas travestis profissionais do sexo viram na VISP um impeditivo porque precisam apresentar regularmente para seus clientes exames de HIV negativados. Foi aí que percebi como minha realidade com carteira assinada é privilegiada e como essa vacina pode ser capaz de mudar a vida de muita gente.

Depois da triagem, tomei minha primeira dose. Toda e qualquer reação que tive pelos dez dias seguintes à aplicação foram registradas em um diário e, em seguida, reportadas à equipe médica do estudo. Por enquanto, nenhum efeito adverso aqui. Dedos cruzados para que a minha experiência e a de outras manas com os testes seja futurosa e consiga transformar o nosso amanhã.

Fonte: Marie Claire

Link: encurtador.com.br/opqOX

21 ª edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Amapá acontece este mês (Foto: Joelma/Reprodução/Correio Amapense)

O tema escolhido pela organização para a edição da Parada do Orgulho deste ano foi: Verás que um filho teu não foge à luta: Resistir para poder existir

PUBLICADO EM 08/11/2

A 21ª edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Amapá, realizada em Macapá, capital do estado, acontecerá neste mês de novembro. Este ano, a programação do evento conta com diversos temas e debates culturais voltados a mulheres, negros e com destaque para empreendedores.

De acordo com informações dadas pelo G1, a organização disse que escolheu para a edição deste ano o tema “Verás que um filho teu não foge à luta: Resistir para poder existir”. A escolha do tema foi feita com a intenção de conscientizar a todos a respeito dos direitos da comunidade LGBT.

“Esses espaços são necessários porque reafirmam a necessidade da (r)existência de uma agenda que promova os direitos e busque assegurar as condições necessárias para que todos possam alcançar sua cidadania plena” explica Bryan Marques, Coordenador Geral da Parada. Bryan também destaca a importância e necessidade do evento, pensado para a representatividade e reafirmação deste grupo da sociedade que é considerado minoria.

A programação da 21ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Amapá foi iniciada na última quinta-feira (04) e dará continuidade até o dia 26 de novembro. As informações a respeito do local e o horário dos eventos ainda não foram divulgadas pela organização da festa. Nesta quarta-feira (10) será realizada a Quarta Lilás, que visa divulgar a produção cultural de mulheres LGBTs.

Fonte: Observatório G

Link: https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/cultura/parada-lgbtqia-do-macapa-da-destaque-a-mulheres-empreendedores-e-negros

 

 

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