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Dia do Idoso: 'A gente nunca pensa que vai chegar lá', diz trans ao completar 70 anos

Marcelly Malta é presidente da Igualdade RS. Não há estimativa oficial no estado de expectativa de vida da população trans. Mapeamento desses dados está sendo feito pela Secretaria de Igualdade.

Por João Pedro Lamas e Matheus Beck, g1 RS 01/10/2021 04h30  Atualizado há 4 horas

 

‘Orgulho’, diz presidente da Igualdade RS ao chegar aos 70 anos. Confira no Vídeo:

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Viver a velhice com qualidade de vida é um desejo de todos. Entre a população de transexuais e travestis, alcançar os 60 anos é questão de sobrevivência.

Chegar ao Dia Nacional do Idoso, celebrado nesta sexta-feira (1º), aos 70 anos é quase um delírio de um sonho inebriante para Marcelly Malta Lisboa, alguém que um dia aceitou ser trans.

"Sabendo que o Brasil está em primeiro lugar na questão de assassinatos da população de travestis, isso me deixa muito emocionada. A gente sobrevive", emociona-se.

Marcelly nasceu em 1951 na cidade de Mato Leitão, no Vale do Rio Pardo. Ela é presidente da Igualdade RS, fundada em 1999, além de ser vice-presidente da Rede Trans Brasil, que começou em 2009.

"A gente pensa que nunca ia chegar lá, porque nossa população de travestis a nível nacional e internacional é de 35 anos. Chegar neste momento aos 70 é um orgulho muito grande", diz.

Quando tinha 15 anos, se mudou para Porto Alegre. Já mais velha e sem conseguir se colocar no mercado de trabalho, acabou se prostituindo.

"Viver da prostituição nada contra, mas eu acho que as coisas têm que ter começo, meio e fim. Trabalhar e lutar pela nossa população é o mais importante nesse momento. Conseguir geração de renda e emprego, principalmente para a população mais jovem", afirma Marcelly.

Mais tarde, conseguiu se formar como enfermeira e, atualmente, é servidora pública aposentada. Após cerca de 25 anos de trabalho, continua vivendo na Capital.

"Quando se diz que você é uma pessoa trans, na maioria das vezes, ela não é acolhida. Por serem mulheres travestis, mulheres transexuais e, agora, também a questão dos homens trans, têm dificuldade de conseguirem um emprego. Todo mundo acha que a gente é diferente. A gente pode ser diferente, mas com direitos iguais a todo mundo", reivindica a ativista.

Marcelly Malta Lisboa, de 70 anos, é presidente da Associação de Travestis e Transexuais do RS — Foto: Arquivo Pessoal

Estimativa da população trans é imprecisa

Com base no banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizado em 2020, a Secretaria Estadual de Planejamento, Governança e Gestão estima que há 2,14 milhões de pessoas com mais de 60 anos no RS: 935 mil de homens 1,2 milhão de mulheres.

As mulheres vivem até os 81 anos e os homens, até os 74. Portanto, a expectativa de vida média dos gaúchos é de 77 anos.

Contudo, o Departamento de Economia e Estatística (DEE) do governo do estado não tem dados sobre a quantidade de pessoas trans que residem no Rio Grande do Sul — o que inviabiliza uma estimativa do percentual de pessoas trans idosas que existem no estado.

Não há estimativa oficial, no estado, quanto à expectativa de vida de pessoas trans. A Rede Trans Brasil, organização em defesa das pessoas trans, sinaliza que, no país, a expectativa é de 35 anos — e ainda pode ter piorado com a Covid-19.

O professor de Psicologia da PUCRS, Ângelo Brandelli, afirma que existe um debate no Brasil a respeito da necessidade urgente de incluir campos de identificação sobre identidade de gênero em formulários oficiais, inclusive no Censo, para poder definir de que forma diferentes situações, como a pandemia, afetam pessoas cis e trans.

"Infelizmente os dados são poucos, mas já sabemos que os diferentes marcadores sociais como renda, raça, cor, etnia e também identidade de gênero afetam de maneira mais grave a vulnerabilidade para diferentes agravos em saúde, tanto em função das barreiras para acessar insumos de prevenção, por preconceito dos profissionais, ou receio de discriminação em função das experiências passadas que levam a evitar serviços por parte desses grupos", sugere.

Ângelo acredita que a maior aceitação social a esses grupos na atualidade tende a melhorar isso para as futuras gerações. A diminuição do preconceito segue uma tendência universal. No cenário brasileiro, porém, ele é mais pessimista."

"O acolhimento não é só retirar alguém da esquina. Muitas vezes, pessoas me perguntam por que é que tem tantas trans nas esquinas. Porque tem demanda, a procura dos homens, dos clientes, que procuram essa população. Elas não estão para mostrar o salto novo que compraram nem a roupa ou o perfume. Mas, simplesmente, pela sobrevivência", comenta Marcelly.

Em relação a emprego, a Rede Trans Brasil diz que estima que 66% da população trans no país está na prostituição.

"Infelizmente por aqui o preconceito que motiva a violência que as pessoas trans sofrem afetam a integridade física (assassinatos) e mental (depressão e ideação e tentativas de suicídio). Esses fatores em conjunto diminuem a expectativa de vida das pessoas LGBT, mas especialmente trans", alerta.

Novo mapeamento

Diante da falta de dados e da necessidade de mais informações para elaborar políticas públicas afirmativas para pessoas trans, a Secretaria de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social começou, em julho deste ano, a fazer um mapeamento no estado dessa população. O objetivo é saber onde estão essas pessoas, quantas são e quem são.

A Coordenadoria de Diversidade Sexual da pasta focou na população trans idosa em meio à pandemia de Covid-19, já que são pessoas geralmente em situação vulnerável (com dificuldade de acesso à segurança, saúde, educação e ao emprego).

"São pessoas que passaram a não conseguir trabalhar. Que, por serem transexuais, sofrem preconceito. E, por serem mais velhas, são discriminadas. Geralmente têm baixa escolaridade. São pessoas que enfrentaram e enfrentam muitos obstáculos todos os dias e precisam de apoio", diz Dani Morethson, coordenador de Diversidade Sexual.

O projeto começou a fazer buscas ativas por essa população, que são cadastradas junto aos programas de assistência social e passam a receber, por exemplo, cestas básicas, além de encaminhamento para atendimento médico.

A procura por essas pessoas começou em cidades onde foi possível a parceria com organizações de assistência social. Em Rio Grande, a ABLGT; em Pelotas, a Também; em Santa Maria, Agudo e Restinga Seca, a Igualdade; em São Borja, a Girassol; e em Porto Alegre, a Igualdade RS.

"Em função da não permanência na escola e dificuldade de emprego, essas pessoas têm ainda mais fatores 'vulnerabilizadores'. E, certamente, as pessoas idosas trans, que no Brasil, infelizmente, costumam ter dificuldade de acesso a emprego e renda, tendem a estar em grande vulnerabilidade", aponta Ângelo.

Programas sociais

A Polícia Civil viabilizou por meio da delegacia online um link pelo qual pessoas trans em situação de vulnerabilidade podem registrar ocorrência.

A ideia é que essa pessoa se identifique e, com isso, possa ser encontrada pelo poder público. Desta forma, passa a usufruir de serviços de assistência social.

A Secretaria Estadual de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social também trabalha para viabilizar o acesso à serviços de educação e saúde, por exemplo, para a população trans em situação vulnerável. A pasta indica, ainda, que as prefeituras estão responsáveis por fazer os mesmos encaminhamentos.

Telefone: (51) 3288-6400E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Prefeituras municipais

Fonte: G1 Rio Grande do Sul

Link: encurtador.com.br/pvJNQ

 

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